
Foto: Banco de imagens do Google
Quando as coisas acontecem a nossa volta, temos um certo nível de percepção para detectar certos problemas, mas quando as coisas acontecem conosco, parece que o problema fica ainda maior. Viver no Japão por muitos anos me aproximou de uma cultura milenar fantástica. Tive acesso as novas tecnologias mais cedo do que meus compatriotas no Brasil. Tive oportunidade de ter trabalho e salário dignos, além de poder planejar o meu futuro. Somente uma pergunta em minha mente não quer calar... Todas essas conquistas e oportunidades a que preço?
Fiz muitos bons amigos no Japão, mas deixo de estar com muitos dos meus queridos amigos do Brasil. Muitos parentes que vivem em terras brasileiras só se encontram comigo nas raras visitas que faço ao Brasil. Hoje, estou sem carreira estável no Brasil, sem planejamento, sem aposentadoria, sem seguro-saúde e um pouco deslocado do mundo empresarial, acadêmico e intelectual.
Esses dias, senti na pele uma mudança numa pessoa muito importante para mim. Fui visitá-la, coisa que faço sempre que posso. Quando estou no Brasil, tento vê-la com frequencia para que possamos passar bons momentos juntos. Hoje, aos 14 anos, ela é uma bela mestiça, educada, criada sob os melhores cuidados possíveis e amada por todos.
Ainda me lembro da emoção que tive quando ela nasceu. A sensação de Felicidade foi grandiosa.
Lembro-me dos cuidados, das trocas de fraldas, dos primeiros passinhos, das mamadeiras e das incontáveis noites sem dormir...
O divórcio e a minha ida ao Japão criaram um distanciamento, mas nunca deixei de amá-la... Busquei estar sempre presente através dos telefonemas, e-mails e presentes... Sei que isso não é o suficiente. Fui ao Japão para reconstruir minha vida, mas nunca abandonei a minha princesa. Talvez nem ela e nem ninguém saiba o quanto sofri de saudade, de angústia e de dor pela distância que tive que abrir entre mim e ela... No meu íntimo sei que tenho uma parcela de culpa por esse distanciamento e que talvez chegasse o dia em que ela me cobraria pelos meus anos de ausência... Nunca imaginei que ela fosse me tratar com tanta frieza...
Tem dias que chego em sua casa e digo um "oi Chiyuki" bem caloroso e abro o meu mais terno abraço juntamente com o meu mais amplo e alegre sorriso... Ao contrário de antigamente, quando minha pequena me recebia com os braços abertos, ela permanece de braços cruzados e diz um "oi" seco com o rosto sem expressão nenhuma... Volta para frente de seu notebook e mergulha em suas conversas virtuais com seus amigos. Tal atitude me parece uma lança atravessando o coração... Tem dias que tento rir da situação para conter as lágrimas...
Na verdade, não sei o que ela pensa a meu respeito e também não imagino o que ela queria de mim... Abri mão de tudo que trabalhei e construi na vida em favor dela... Busquei no Japão uma forma de reconstuir minha vida (praticamente do zero) e ainda ajudar na criação dela.
O que ela queria que eu fizesse? Que ficasse no Brasil, apertado, sem poder ajudar de maneira consistente e sem prespectiva de melhoras?
Confesso que quase ninguém tem a capacidade de me magoar, mas ser magoado pelas pessoas que a gente ama é muito duro. Passei uns dias deprimido, refletindo sobre esses acontecimentos, mas vou erguer a cabeça novamente e continuar lutando a minha batalha, mesmo que eu seja incompreendido. Talvez eu já não tenha o direito de amá-la... Talvez eu já não possa mais abraçá-la e nem beijá-la... Talvez eu só sirva para pagar pensão e ser alguém que ela diga: "Ah esse aí é meu pai". acho que não posso mais lhe dirigir o meu afeto e nem andar abraçado no Shopping, ou pelo menos de mãos dadas como vejo outros filhos e filhas fazendo... Tudo isso tão somente e simplesmente porque eu "só" sou o seu pai...