sábado, 25 de março de 2017

Elis

Foto: Banco de imagens do Google

Morando no Japão, já temos muitos canais para receber as notícias de um Brasil tão distante para nós. Podcasts, rádios online e o Facebook, que não é uma fonte tão confiável, mas nos traz as notícias, muitas vezes mais rápido do que a própria mídia. Ainda não aderi ao NETFLIX, mas acho que se o Youtube não melhorar tão cedo, vou acabar assinando. Morando aqui, recebo as notícias das estreias no cinema e me bate uma certa saudade de poder ir ao cinema no Brasil. Não, hoje não quero falar do escândalo da Operação Carne Fraca, do caos que ficaram as exportações, da Lava-jato, ou de qualquer outra desgraça que tenha bombardeado nossas cabeças nesses tempos tão turbulentos. Hoje quero falar do prazer da apreciação da sétima arte e dividir as minhas impressões. Como todos sabem, a proposta desse blog é mostrar a visão de alguém que vive nesse eixo Brasil-Japão, e falar das nossas angústias, alegrias, dificuldades e do nosso cotidiano. 
Já fazia muito tempo que eu queria ver "ELIS, o filme" e esperei com muita ansiedade até que alguma alma caridosa postou ele no Youtube. Imagem e áudio com qualidade é tudo para quem quer assistir a um bom filme, mesmo que pelo Youtube. Bem, o Chromecast instalado, comandos pelo telefone funcionando direitinho e pá... Joguei a imagem da internet diretamente para a televisão. 
Vivendo nessa época em que pouca coisa boa é produzida, não é à toa que as pessoas sintam uma nostalgia imensa. Elis foi daquelas artistas marcantes e talentosas que se tornaram ícones da história da nossa música. Para as novas gerações que não a conhecem, vale à pena conferir seus trabalhos e assistir ao filme. Meu Deus! Que prazer imenso de ouvir aquela voz durante todo o filme. Não vou ficar aqui largando spoilers, mas tenho que dizer que a cada fase da vida da cantora, as músicas foram se encaixando como uma luva durante o filme. "ELIS" retrata o Brasil na época da Ditadura Militar, mostra as roupas usadas na época, os carros e o palavreado que as pessoas usavam. Revela o outro lado da artista, a pessoa por trás da cantora. O ser humano, com todas suas alegrias, paixões e frustrações. Uma mulher guerreira, talentosa e fascinante. A atriz Andreia Horta dá um show de interpretação. Além da semelhança física e da caracterização, Andreia Horta ainda faz todos os trejeitos e sorri escancaradamente como Elis fazia em suas aparições. O filme talvez peque por falta de mais detalhes sobre a vida da cantora, mas isso não tira os seus méritos e nem a beleza da história. Acho que devo estar mais sensível do que antes, pois me peguei emocionado por resgatar essa artista tão fantástica. Nessas horas sinto vontade de dizer para as novas gerações "prestem atenção nessa artista", mas sei que gosto é gosto e que as diferenças devem ser respeitadas. Elis, inegavelmente nos deixará saudade e um belo legado artístico. Quando ela morreu, me lembro que muitas pessoas teceram críticas quanto ao abuso de drogas, mas a maioria das pessoas não sabia de seus problemas emocionais e de seu processo depressivo. 
O filme é um grande presente para os fãs, uma aula para os mais jovens e uma belo tributo à sua memória. Assisti, AMEI e recomendo!!!     

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Feliz Ano Novo (com velhas e dolorosas lembranças)


Sai ano, entra ano e muitas coisas ainda continuam mal resolvidas na minha cabeça e no meu coração. Final de ano é sempre uma época nostálgica para mim, e acredito que também para a maioria dos brasileiros que vivem no Japão e que deixaram metade dos seus laços no Brasil. Amigos, filhos, tias, tios, primos, pai, mãe... De todos, um, em especial, me toca ainda com sua presença vívida, mesmo após pouco mais de dois anos de sua partida. Até hoje, ele é uma figura controversa e, atualmente, eu, mais do que ninguém posso falar que o conheci de perto. Dedicou sua vida à pratica da caridade e isso é um dos fatos notáveis de sua história, visto que era pobre e dispunha de poucos recursos. Era alegre, brincalhão e me lembro que várias pessoas que moravam longe se dispunham a viajar algumas horas para passar uma tarde alegre com ele. Ele sempre tinha um conselho, uma palavra amiga e um riso contagiante. Confesso que o amei e o odiei muitas vezes e que tenho consciência de que, de dentro de sua ignorância e singeleza ele fez o melhor que pôde. Mas não é só porque ele morreu que vou colocá-lo num pedestal e transformá-lo em santo. Talvez um dia, eu possa escrever um livro com toda a verdade sobre a sua vida. 

No começo da década de 1970 meu padrasto fugiu com minha mãe e isso acabou por fragmentar duas famílias. Não posso julgá-los se estavam certos, ou não. Talvez fossem apenas duas pessoas fugindo em busca da felicidade. Talvez fossem duas pessoas que tiveram a coragem de assumir que se amavam e assim, se predispuseram a aceitar a chuva de pedras que a sociedade lhes infringiria. De qualquer forma, eles formaram uma nova família. Minha mãe me levou para ser parte dela. Meu padrasto levou o Fabinho e a Solange. Mais tarde nasceu o Toninho, o caçula. Nossa história daria uma novela. Talvez eu pudesse dar o título de Éramos Seis. No final das contas, todos pagaram um preço muito alto por uma felicidade que não existiu. A ex-esposa do meu padrasto ficou na rua com três crianças para cuidar, meu pai entrou em depressão, teve um derrame e morreu anos após a separação, minha mãe e meu padrasto tiveram poucos momentos de paz e tranquilidade. Quanto a nós, os filhos da nova pseudo-família, vivemos num ambiente baseado no puxa-tapetes, onde a concorrência, a mentira, a deslealdade e a pirraça eram elementos que usávamos uns contra os outros. Não bastasse viver nesse inferno, eu, o Fabinho e a Solange trabalhamos duramente, assumindo responsabilidades que hoje me assustam e que eu nunca cogitaria submeter meus filhos. A Solange já em tenra idade, uma criança que trabalhou desde os seis anos lavando, cozinhando e passando sofreu tantas imposições em sua vida, tantas limitações de liberdade que não suportou tanta humilhação dentro de casa, cometidas pela minha mãe e pelo pai dela, que acabou saindo de casa. Eu, muitas vezes, tive vontade de cometer suicídio, pois qualquer coisa era melhor do que viver naquela família opressora e protecionista. Meu padrasto mantinha um discurso de trabalho, cooperação e igualdade entre os "irmãos", mas eu, como o único que não era seu filho senti na pele o gosto amargo da discriminação e da tortura psicológica. 

O tempo passou e nós crescemos. Mentalmente, espiritualmente e psicologicamente. Quanto aos meus irmãos eu não posso falar, mas eu ainda carrego sequelas psicológicas de uma época de dureza, maus tratos e críticas ácidas de um homem que não tinha base intelectual para liderar uma família tão heterogênea. Às vezes, deito a minha cabeça no travesseiro e durmo. Minha mente me transporta para o passado e eu me vejo novamente sob o julgo dele. Já acordei várias vezes chorando e percebo então que a mágoa ainda não passou. Só adormeceu lá no fundo do meu subconsciente. Ele era um homem mau? É claro que não! Como um homem pode dedicar a vida a fazer o bem e ser mau? Prefiro acreditar que ele era apenas um homem mal esclarecido, preconceituoso, rústico e ignorante com a dura missão de sustentar uma família com quatro filhos onde eu não pertencia à sua prole. Prefiro pensar que ele me discriminou pois, de maneira involuntária não soube disfarçar o seu protecionismo para com seus filhos legítimos. 

Hoje, muitos anos depois de tudo, o Natal e o Ano Novo ainda me fazem lembrar deles. Se eu amava meus pais? A resposta é sim! Apesar de toda omissão por parte da minha mãe e apesar de toda maldade por parte do meu padrasto, eu os amava e os respeitava. Meus irmãos de criação também sofreram, de forma invertida, tudo que eu passei. Quando meu padrasto faleceu em Agosto de 2014, uma enxurrada de lembranças escapou do meu subconsciente. Entrei em depressão e tive diversos problemas na minha vida pessoal, além dos que eu já enfrentava naquela época. Perdi muitas coisas importantes (não estou falando de coisas materiais) e foram perdas irreparáveis. 

Bem, ou mal, eles foram os pais que eu tive e seguindo um preceito bíblico, sempre os honrei e os respeitei apesar de tudo. Talvez, algumas pessoas dirão que sou ingrato por revelar esse triste lado da história da minha família, mas tenho convicção de que meu padrasto não fez favor algum em ter me criado, pois como dizia um primo dele "quem quer a choca tem que cuidar dos pintinhos também" e acho que se ele queria ter a minha mãe ao lado dele, nada mais honroso do que criar o filho que ela já tinha. De certa forma, fomos uma família e, aos olhos das pessoas, parecíamos felizes, mas somente quem sobreviveu a tudo aquilo pode dizer se éramos felizes, ou não. 
Sinto a falta deles e espero em breve reencontrá-los para dar-lhes um abraço fraternal e lhes perguntar os porquês de tudo aquilo que passamos.
O que me resta agora? Socar essas lembranças nos porões do meu subconsciente, trancá-las, ser forte e seguir adiante.