sábado, 1 de maio de 2021

A ignorância é a pior doença que existe


 

   No dia 14 de Fevereiro de 1996, minha mãe falecia aos 51 anos vítima das sequelas de um AVC. Quando retornei dos meus primeiros 3 anos trabalhados no Japão, minha mãe não parecia a mesma mulher que eu havia deixado no Brasil.

   3 anos antes, eu me despedia dela e do meu padrasto no Aeroporto Santos Dumont em Porto Alegre. Minha mãe ainda era jovem e tinha longos cabelos negros. Quando retornei ao Brasil, ela estava com os cabelos curtos e grisalhos, algumas marcas de expressão fortes e com a metade do corpo paralisada em consequência de um derrame. Estava com as mãos e os pés inchados e acredito que deveria ser algum problema de má circulação.

   Gente, eu tenho que falar... Doença é um assunto sério!!! Meu pai-drasto sempre fazia aquela lavagem cerebral na gente dizendo que remédio era coisa ruim, que dava efeito colateral e que tudo poderia ser tratado com chás. "A indústria farmacêutica inventa essas coisas para tirar o dinheiro dos trouxas".

   Pressão alta é uma doença crônica e no meu caso, hereditária. Cresci vendo minha mãe passando mal de tempos em tempos e eles tentando resolver tudo com chazinho. 

   Eu me lembro que quando morávamos na chácara, era um suplício. Se alguém ficava gripado, tinha febre, tinha tosse, passava mal, mas meus pais achavam que tudo se resolvia com chazinho... Eu me lembro das tantas vezes que passávamos semanas a fio passando mal e sem conseguir dormir com aquela tosse incessante. "Toma chá de guaco que passa!"

   Machucado, torção, queda... Levar no médico? Nem pensar... Passávamos semanas e até meses com machucados e infecções sendo tratados com fumo, emplastos e salmoura. 

   Eu fico me questionando se essa resistência a ir no médico e aos remédios era por falta de dinheiro. 

   Bem, voltando à hipertensão, em mim, ela se manifestou por volta dos vinte anos. Passava muito mal quando tinha as crises. Não podia comer nada com muito sal, não podia me estressar e eu pensei que ser atleta me deixaria imune aos efeitos desastrosos da doença. Iniciei um tratamento aos vinte e oito anos, depois de uma crise da qual pensei que não escaparia. O médico me disse que fazer esportes era super positivo para a minha saúde, mas que eu deveria rever a minha dieta e iniciar um tratamento, pois sofria de uma doença crônica. 

   Iniciei o tratamento e o tempo foi passando. Com o tempo, relaxei e deixei tudo de lado. Morando no Japão, fiquei um bom tempo trabalhando sem pagar o seguro saúde. Perdi as contas de quantas vezes passei mal e tive que faltar ao serviço. Tive consequências sérias devido ao agravamento da minha hipertensão. Já me vi à beira de um ataque cardíaco, ou coisa pior e, mesmo assim, a ignorância me cegava, pois eu tinha que trabalhar, tinha que cuidar da minha filha e tinha que economizar dinheiro. Só eu sei a luta que foi sobreviver no Japão, enfrentar a minha luta diária e aguentar a doença. Ir ao trabalho dias seguidos passando mal para não ser mandado embora do emprego. 

   Depois de certo tempo, as empresas começaram a impor o Shakai Hoken para os funcionários. Nesse sentido, fiquei muito chateado com o desconto que começou a vir no meu pagamento, mas o seguro saúde me permitiria fazer o meu tratamento novamente. Fui ao médico e levei uns bons puxões de orelha por causa do meu desleixo, mas essa reviravolta foi muito positiva para mim e para a minha família. 

   Hoje tenho consciência de que terei que tomar remédio até o final da vida, mas ainda assim, de certa maneira, estou vivendo praticamente de maneira normal. Tenho que ser cuidadoso com a quantidade de sódio que consumo, tenho que fazer atividades físicas, tenho que controlar o peso e tenho que evitar o estresse. Tudo coisa simples que eu levei tempo para entender. 

   Completei 51 anos no último dia 28 de Abril e o fato de ter alcançado a minha mãe me trouxe muitas reflexões. Hoje eu vejo que ela não era tão velha assim... Estava somente judiada pela doença e cega pela ignorância. Ignorância nociva e contagiosa que quase custou a minha vida. Hoje eu me sinto bem disposto para o trabalho, além das minhas atividades como escritor, pai e comerciante. 

   Se eu não tivesse aberto meus olhos a tempo, talvez não conseguisse nem alcançar a minha mãe. Saúde é coisa séria e não deve ser colocada fora das nossas prioridades. Amei minha mãe muito, apesar das nossas diferenças, mas ainda não quero ir de encontro à ela, pois ainda tenho um filho pequeno para cuidar e educar. Quero ver meus filhos realizados, quero escrever muito e deixar um legado antes de partir deste mundo!